Movimento anti-ESG: o grito dos desesperados
Pesquisas mostram que maioria apoia ação climática, igualdade racial e de gênero e outros valores consistentes com a visão ESG.
Não é segredo pra ninguém que a discussão sobre as dimensões ESG (ambientais, sociais e de governança) tem ganhado cada vez mais destaque no mundo dos negócios. Empresas que adotam práticas sustentáveis e responsáveis socialmente têm se destacado no mercado, atraindo investidores e consumidores que valorizam esses princípios.
No entanto, esse avanço também tem gerado resistência por parte de alguns setores, principalmente políticos, que se opõem aos avanços dessa pauta no âmbito das empresas.
Nos Estados Unidos, o dito movimento anti-ESG é composto principalmente por líderes do partido republicano em nível estadual, que usam uma retórica alarmante sobre os males do capitalismo consciente para argumentar contra o investimento e contra as práticas corporativas ESG.
"Uma facção não eleita das elites globais está usando o ESG para sequestrar nosso sistema capitalista, capturar as corporações e ameaçar o dinheiro suado dos trabalhadores norte-americanos.”, Advogado-geral do Alabama, Steven Marshall.
Por lá, muitos acreditam que esse movimento anti-ESG seria um esforço disfarçado para proteger as indústrias de energia fóssil e impedir que os dólares dos investidores fluam para tecnologias de descarbonização, incluindo armazenamento de energia, bem como energia eólica e solar.
O fato é que os projetos de lei anti-ESG têm se multiplicado pelos estados americanos, ainda que somente um quinto deles acabem aprovados. Segundo a Reuters, entre janeiro e abril deste ano já foram apresentados quase uma centena de projetos de lei que tentam restringir práticas corporativas ESG nos vários estados norte-americanos, como mostra o mapa abaixo (estados com projetos pró-ESG (roxo), contra ESG (cinza) e ambos (rosa)). Um crescimento expressivo, se comparado ao ano de 2022, em que foram apresentados 39 projetos desse tipo.
Mas se os políticos correm para gritar que esse é mais um sinal de que o país estaria dividido (qualquer semelhança com o Brasil não será mera coincidência), não é o que mostram os números.
Nem lá nos EUA, em que pesquisas mostram oposição clara dos eleitores às medidas que restrinjam o impacto social das empresas - e nem no Brasil, onde a CAUSE e o Instituto Locomotiva também pesquisaram a preferência dos consumidores por marcas envolvidas em causas: 85% dos pesquisados prefere, ainda que às vezes, marcas comprometidas com temas sociais ou ambientais.
E há números em escala global provando o mesmo ponto.
No final do mês passado o IBM Institute for Business Value (IBV) lançou o relatório "The ESG Data Conundrum”, baseado em uma pesquisa mundial realizada em duas frentes: foram entrevistados mais de 20.000 consumidores de 34 países sobre as atitudes com relação à sustentabilidade e responsabilidade social e como essas crenças influenciam compras, investimentos e decisões de carreira. Ao mesmo tempo, foram pesquisados 2.500 executiv@s de 22 diferentes indústrias sobre a estratégia e ações ESG das organizações às quais pertenciam.
A pesquisa descobriu que o compromisso dos consumidores com o desenvolvimento sustentável se intensificou ao longo dos últimos anos, mesmo com os desafios econômicos advindos da pandemia restringindo o poder de compra. Embora mais da metade (51%) dos consumidores entrevistados diga que o aumento no custo de vida tornou as decisões ambientalmente sustentáveis e socialmente responsáveis mais difíceis nos últimos 12 meses, cerca de 60% diz que pelo menos metade de suas compras foram ambientalmente ou socialmente sustentáveis no mesmo período.
‘Algumas empresas estão aproveitando essas oportunidades, convertendo esforços ESG em valor tangível. Elas estão logrando receitas mais altas, lucratividade aprimorada, envolvimento mais profundo do cliente (…) ao abordar o ESG como uma questão de transparência que cria oportunidades estratégicas de negócios.’ - IBV
Mas os consumidores também estão mais céticos, adicionando mais uma urgência a pressionar empresas e executivos: a confiança dos consumidores nas declarações corporativas sobre sustentabilidade despencou pela metade nos dois últimos anos, como mostra o gráfico abaixo. Na pesquisa de 2021, quase metade (48%) dos consumidores entrevistados dizia que confiava nas declarações que as empresas fazem sobre sustentabilidade ambiental. Esse número caiu para apenas 20% na pesquisa deste ano.
É por isso que as empresas têm que agir, como já pregamos na CAUSE há dez anos, com mais convicção, coerência, consistência - e transparência. É preciso que a liderança da organização tenha convicção de que administrar a organização sob a lente ESG é o melhor caminho; mantenha a coerência entre o que é feito e o que é dito; e que garanta as ações empreendidas sejam consistentes ao longo do tempo. Além disso, o espírito da nossa época pede transparência total não somente sobre as conquistas, mas principalmente sobre os desafios ambientais, sociais e de governança que a organização enfrenta.
Esse caminho pode ser árduo, não há como negar. Para além do discurso anti-ESG vindo da política, há pedras concretas ao longo do caminho. Ainda que 72% dos executivos concordem que ESG precisa ser uma alta prioridade de suas organizações, o estudo do IBV mostra claramente três grandes barreiras para operacionalizar o ESG dentro delas:
1- falta de dados e inteligência de dados: a maioria das executivas e executivos pesquisados dizem que as empresas têm dificuldade para gerenciar, manipular e mapear dados.
2- há uma multiplicidade de padrões: o ecossistema de relato tem uma infinidade de siglas: GRI, ISSB, TFCD, etc. Há mais de 600 sistemas de relato no mundo, cada um oferecendo uma visão própria do que é sustentabilidade e isso traz confusão para quem precisa operacionalizar e priorizar ações.
3 - falta de visibilidade para os stakeholders: Há uma frustração crescente de que os objetivos ESG não estão conectados com ações concretas e críveis, além de claros sinais de progresso.
Mas, ainda que existam barreiras, os dados são claros: a maioria dos eleitores e consumidores apoia a ação climática, igualdade racial e de gênero e outros valores que são consistentes com os princípios corporativos ESG.
As empresas que adotam uma postura proativa em relação a essas questões estão alinhadas com a opinião pública e têm mais chances de sucesso a longo prazo.
A pandemia de COVID-19 evidenciou ainda mais a importância do ESG e da responsabilidade social das empresas. A crise sanitária mostrou que as empresas que adotam medidas para proteger seus funcionários, clientes e comunidades, além de garantir a continuidade de suas operações de forma sustentável, têm mais chances de sobreviver e prosperar em tempos difíceis.
No entanto, ainda há muito a ser feito em relação à padronização ESG. A falta de um padrão claro para avaliar a sustentabilidade e a responsabilidade social das empresas pode levar a inconsistências e confusão, dificultando a comunicação eficaz sobre as políticas ESG e a tomada de medidas concretas para melhorar a sustentabilidade e a responsabilidade social das empresas.
É preciso continuar avançando e buscando reformas para tornar a prática ESG mais efetiva e transparente, garantindo um futuro sustentável para os negócios e mostrando que, apesar dos suspiros e lamentos daqueles que insistem em manter o status quo do capitalismo selvagem, a maioria quer evoluir para o lado certo.
Até a próxima segunda.